Recém-divulgados, os dados econômico-financeiros da Agência Nacional de Saúde (ANS) referentes ao quarto trimestre de 2023 confirmam uma tendência que se mantém há alguns anos: mais uma vez, as operadoras médico-hospitalares compensaram o prejuízo operacional do período com resultado financeiro. A pergunta que fica é: em um contexto de taxas de juros em queda, até quando um setor tão relevante para a sociedade, a quem cabe prestar cuidado em saúde e bem-estar, conseguirá se sustentar com aplicações no sistema bancário e não com base nas receitas de sua atividade?
Um plano de saúde vende serviços tanto para pessoas jurídicas quanto para pessoas físicas. As empresas respondem por cerca de 70% de todos os planos no Brasil. Se as operadoras continuarem dependendo de aplicações financeiras para sobreviver, e tudo indica que a tendência será mantida, mesmo se mostrando insustentável, muitas empresas no Brasil terão dificuldades para seguir com o plano de saúde de seus funcionários.
As empresas já enfrentaram reajustes recordes em 2022 e 2023, que se repetem em 2024 e, certamente, terão continuidade nos próximos anos, se nada for feito para romper com essa tendência. Não tem mágica. Os prestadores de serviços também estão sendo sufocados, com dilatação do prazo do pagamento e aumento de glosas.
A cada ano, fica mais evidente que as operadoras devem focar em estratégias para reduzir a sinistralidade, que é a relação entre as despesas assistenciais e os recursos provenientes das mensalidades. Das receitas auferidas, os planos de saúde deveriam destinar 75% para pagar médicos, laboratórios, clínicas, hospitais – o custo da assistência propriamente dita. Os 25% que deveriam sobrar desta conta serviriam para pagar funcionários, além de bancar despesas fixas como as de aluguel, energia, água, telecomunicações e impostos. A questão é que o desequilíbrio se mantém desde 2018 e, em 2023, o percentual alcançou nada menos que 87%.
Uma das razões para essa elevação é que, depois da pandemia, quando muitos suspenderam temporariamente a busca por serviços de saúde, a demanda cresceu, acentuando-se depois. Mas não basta conhecer as causas. É preciso enfrentá-las, buscando uma revisão do modelo de gerenciamento e atendimento para que as operadoras possam entregar melhores serviços com um aproveitamento mais racional de todos os seus recursos. É mais do que hora de as operadoras focarem em estratégias para reduzir a sinistralidade.
Criada em 1998, dez anos depois do SUS, a lei dos planos de saúde legalizou um sistema de livre demanda, em que nós, quando doentes, costumamos nos informar entre pessoas próximas quem conhece um profissional confiável. E, assim, vamos tentando, improvisadamente, resolver nosso problema de saúde, ao qual se soma a crescente dificuldade de agendar uma consulta com médico conveniado. Na época da criação da lei dos planos de saúde, deveria ter sido buscada uma linha de cuidado integrado e implantação de sistema de qualidade nos prestadores de serviços de saúde, inspirada em países nos quais o modelo funciona. Isso não ocorreu e, hoje, estamos pagando a conta.
A mudança será impulsionada pelas empresas, que deverão repensar o modelo de saúde imaginado para seus colaboradores. Que objetivo querem atingir? Saúde de fato, para melhorar motivação e, claro, produtividade, com um desembolso que caiba no seu custo? Ou irão continuar na contramão, atuando de forma desconectada, tendo um setor para saúde ocupacional e outro para benefícios?
O modelo atual não permite mais o pensar, e sim o agir. Quem sair na frente, certamente, terá menores custos em saúde, menos impostos e um ambiente mais feliz e atrativo para as pessoas trabalharem.